02/02/2021 - 17:50:00

ANÁLISE: A DIFÍCIL IDENTIFICAÇÃO DE LIDERANÇAS NUMA CATEGORIA DISPERSA

ANÁLISE: A DIFÍCIL IDENTIFICAÇÃO DE LIDERANÇAS NUMA CATEGORIA DISPERSA

A paralisação dos caminhoneiros em 2018 foi muito marcante, mas não foi a única. Pelo menos desde 1999, essa categoria, que é extremamente sui generis no país, contabiliza 11 movimentos com alguma relevância que levaram incômodo ao governante de plantão.

Elas acontecem sempre pelo mesmo motivo: o custo do diesel sobe em momentos de baixa demanda. Num quadro de sobreoferta de veículos, a maioria velhos e com baixa produtividade, a conta no fim do mês aperta e os caminhoneiros autônomos gritam por socorro. Passam a reclamar de tudo para tentar levar alguma coisa que alivie o bolso no fim do mês.

Em geral levam alguns benefícios imediatos, de cunho populista, e muitas promessas. A maioria delas não se concretiza e viram as reivindicações das manifestações seguintes. É o que ocorre no momento.

Em geral, os pedidos são por paliativos econômicos, como vales, tabelas, congelamentos, isenções, financiamentos privilegiados, temas que reverberam rapidamente no Congresso. Por isso, se a greve pegar, espera-se uma negociação difícil na atual conjuntura em que o Ministério da Economia tem ojeriza a qualquer dessas medidas.

Por outro lado, o então deputado Jair Bolsonaro, atual presidente, sempre foi um incentivador desse tipo de solução, assim como os partidos que agora o apoiam no Congresso Nacional. Se a greve ganhar força, um problema político pode estar se avizinhando.

Em todas as paralisações, incluindo a de 2018, a característica é a mesma. Nos dois primeiros dias, elas não conseguem fazer com que a economia pare. É só a partir do terceiro ou quarto dia que se pode ter uma real noção do tamanho do estrago que virá, a depender da adesão que se tenha. E também é quando esvanecem, se não têm força.

Os governos em geral cantam vitória nos primeiros dias, falando de baixa adesão, o que é natural no discurso governista. O que se deve ficar atento é a o que efetivamente estão fazendo para acalmar os mais aguçados e com quem estão negociando. Houve casos em que falaram com quem não liderava e tornaram o problema maior, criando uma liderança que não existia.

As greves são puxadas em geral pelos caminhoneiros autônomos, dispersos em milhares de grupos pelos tipos de carga que transportam e pelas regiões. Algumas são mais relevantes que outras, e a que causa mais impacto são os combustíveis.

Outra característica em comum é a adesão das empresas que têm frota de caminhões. Em geral, elas e suas associações se escondem atrás dos autônomos dizendo que não aderem. Mas, seja por medo de terem prejuízos com depredações ou para incentivar o movimento, muitas deixam seus caminhões parados. 

A depender do tempo e quantidade de veículos parados, podem dar mais ou menos força ao movimento. O que ganham com isso? Todos os benefícios que os autônomos barganham sem brigar com os governantes de plantão.

Na greve de 2018 os caminhoneiros ganharam a adesão da sociedade contra a política de preços da Petrobras para os combustíveis, que acabou refletindo toda uma insatisfação com o governo. Dessa vez, as reivindicações são mais corporativas. Apesar de haver insatisfação com o governo em vários setores da sociedade, não está claro que o protesto possa ganhar essa adesão que ajudou o movimento de 2018.

Há um elemento novo que será testado, caso a greve ganhe adesão, que é o uso da força pelo governo Bolsonaro. As forças de segurança foram sempre tolerantes, se não lenientes em alguns casos, com atos de caminhoneiros nas últimas três décadas. A tendência é que agora sejam mais proativas.

O presidente da República tem viés autoritário, referendado por parte significativa de seu eleitorado. Ainda não teve que enfrentar grandes contestações trabalhistas nos dois primeiros anos de sua gestão e pode querer demonstrar força se a situação começar a fugir do controle. Se isso ocorrer, entraremos em um nível não testado de tensão desde a Nova República.